Fernando Cyrino
Integrar gente nova ao trabalho é uma atividade que requer cuidado e sensibilidade. A fase de integração é fundamental para que a entrada dos novos profissionais se dê de forma saudável e produtiva.
Integrar gente nova ao trabalho é uma atividade que requer cuidado e sensibilidade. Nas organizações, é comum se pensar que o processo de recrutamento e seleção termina com a assinatura do contrato de trabalho pelo novo empregado no órgão de pessoal. Não é bem assim. A fase de integração, principalmente em se tratando de processos maiores de seleção, é fundamental para que a entrada dos novos profissionais se dê de forma saudável e produtiva. Não tomar as precauções devidas quando da chegada de novos contingentes de profissionais pode fazer com que se perca gente boa, muito dinheiro, além de danos de imagem tanto interna quanto externamente.
Não é raro que ainda se pense que esta é uma função a ser exercida somente pela área de Recursos Humanos. Ver dessa maneira o problema é um grande erro. Em toda fase de recrutamento e seleção, a começar do planejamento, é fundamental para o seu sucesso que toda a empresa, capitaneada por RH, que detém a tecnologia e a competência para tal tarefa, envolva-se. Gerentes das áreas que receberão os novos empregados, equipes que trabalharão com eles e áreas que terão interface com os novatos têm que ser envolvidas e comprometidas para que haja sucesso na operação.
A fidelidade organizacional existente até alguns anos, que fazia com que as pessoas se filiassem às suas instituições como se estivessem se casando, não mais existe. O ser humano, principalmente os mais jovens, não costuma mais se imaginar ligado a uma organização para viver nela uma longa carreira. Este fenômeno, que aumenta as necessidades de novos recrutamentos, vem exigir também esse cuidado maior com a etapa da entrada, visto que, havendo problemas, os que primeiro sairão serão os melhores talentos captados.
Integrar bem os novos profissionais que chegam faz com que o ciclo produtivo deles se dê mais cedo do que havia sido planejado, logo gerando resultados.
O devido cuidado com o processo de integração é amortizador do custo do processo seletivo e faz com que os novos se sintam motivados. Fazer com que o profissional iniciante se sinta assim é aumentar a chance da sua fixação à organização que tão bem, em seu início de carreira profissional, os acolhe. Toda organização é um corpo vivo e como tal também vivencia processos de rejeição de novos membros. Para que este sintoma não apareça, listamos abaixo nove pontos de maior atenção organizacional que, se seguidos, poderão garantir o sucesso da empreitada:
1 – Fazer de forma integrada e participativa o planejamento e a programação da entrada dos novos profissionais
O planejamento de entrada de pessoas não pode ser feito separado do Planejamento Estratégico nem da Área de Recursos Humanos. Os planejadores precisarão verificar no Planejamento Estratégico para onde e como caminhará a organização, quais projetos requererão novos profissionais, se há na organização gente que poderá ser remanejada ou se a busca de novos profissionais terá que se dar externamente e que tipo de gente, com que formação e/ou experiência, deverá ser trazida. Da área de RH serão buscadas informações de dois tipos: O primeiro diz respeito às taxas de desligamento, idade média da população empregada, competências existentes e as que estão em falta, níveis de formação, etc. Além dessas, o RH deverá também passar para o Planejamento dados concretos sobre a sua capacidade para treinar os que chegam, integrando-os ao ambiente de trabalho, e também os que já estão na casa, gerentes e empregados, para que saibam acolher bem, sendo treinadores dos que estão começando.
2 – Participação dos gerentes no processo seletivo
Não é raro vermos os gerentes delegarem esta tarefa a algum assessor. Este é um mau sinal e muitas vezes causa arrependimentos. Não que o assessor seja incapaz ou lhe falte sensibilidade para a atividade, mas o gerente é quem sabe melhor do que ninguém qual o perfil buscado e em quais desafios ele precisará do novo empregado. Enfim, não é RH quem seleciona. Gerente que joga a culpa em RH pela qualidade do profissional novo está praticamente passando atestado de não ter se envolvido devidamente no processo. Em empresas do Estado, nas quais temos a figura do concurso público, o gerente pode participar da primeira ponta do processo ajudando na definição dos perfis e, nos casos possíveis, não abrindo mão da entrevista final para que possa escolher e levar para a sua área os que mais são adequados às suas necessidades.
3 – O Programa de Integração
Nada mais enfadonho do que os programas tradicionais de integração. São palestras e mais palestras sobre o funcionamento da organização, segurança do trabalho, onde se situa cada setor, benefícios, direitos e deveres que muitas vezes mais parecem soníferos. A organização toda, e não somente os Recursos Humanos, precisa pensar na melhor forma para integrar criativamente seu novo pessoal. E isto não é caro. Cada processo seletivo tem um perfil e a pertinência de se repetir modelos de integração que deram certo no passado precisa ser avaliada com carinho.
4 – O cuidado com os antigos
Tenho visto muito processo seletivo de grandes contingentes não ter muito sucesso porque o cuidado e a atenção só se dão com os que chegam. Os que já estão na casa, que fazem o sucesso que propiciou o crescimento gerador da entrada dos chegantes, várias vezes são deixados de lado. O primeiro cuidado será o de comunicar a eles da existência do planejamento para a entrada dos novos. Deixar que eles cheguem como quem cai de paraquedas do céu é querer que haja conflito. Comunicar é mais do que informar simplesmente. Nessa hora é importante que se dê espaço para que os que já são da casa possam falar. Atenção nessa hora, pois é bem possível que haja temores ocultos no grupo. Medos de se perder posições ou de estar sendo trocado, por exemplo. Outro cuidado que se precisa ter é o de deixar bem claro para todos o papel que terão na entrada dos novos funcionários. Eles serão os treinadores e padrinhos que farão com que a entrada dos novos seja bem sucedida. Atenção turma de RH, porque aqui há trabalho duro para vocês, organizando, montando e implementando este treinamento. Mesmo que alguns tenham essa habilidade natural, não podemos exigir que todos tenham nascido sabendo ser treinadores. Deve-se ensinar a eles, depois que se sintam comprometidos com esse novo papel, o que é exercê-lo. Será necessário passar-lhes como irão agir com os novos, como ensinar as tarefas e atividades, o que deverá ser ensinado e em que ordem (não se inicia o ensino de algo pelo mais complexo, por exemplo). Um papel importantíssimo dos antigos será o de passar para os novos o conhecimento tácito existente na área, bem como as regras e políticas que não estão escritas no manual, mas que funcionam como se lá estivessem.
Todo esse processo de cuidado com os veteranos terá que ser acompanhado pelo gerente – que é quem conhece profundamente o seu pessoal – e por RH – que é quem detém a tecnologia e a competência necessária para realizar esta atividade. Também é necessário deixar bem abertos canais de comunicação para que eles possam trazer o que estejam sentindo, suas dificuldades e descobertas no processo.
5 - O cuidado com os que chegam
Em qualquer tipo de organização empresarial, sempre que há a entrada intensiva de gente, acaba passando pelo imaginário coletivo a ideia de que os que chegam, por serem novos e vencedores, tendo sido há pouco “peneirados” em duros processos seletivos, estão vindo para realizar a “mudança”, seja o que for que isto signifique. O risco é que os entrantes, na maioria jovens, que até poderão participar ou mesmo conduzir processos de mudança, interiorizem este sentimento existente no ar e já cheguem querendo mudar tudo. Sem dúvidas que é uma característica da juventude gostar de coisas novas. Por não estarem presos a nenhum processo existente na organização, afinal eles estão chegando, sentem-se muito livres para propor o novo e isto é sempre bem vindo. Há que se cuidar é para que não venham a colocar os carros antes dos bois. Para mudar é preciso ter um conhecimento mais profundo do que é feito, além de mais algumas características que listo abaixo. Os novos que chegam precisam ter consciência de que “jaboti não sobe em árvore” e que, caso eles vejam algum jaboti pendurado num galho, antes de tirá-lo é bom perguntar o porquê de ele estar ali. Mudar é necessário e para que os jovens possam ajudar na sua realização é preciso que:
- Tenha-se clareza do caminho e lá no seu final, do porto para o qual se pretende ir, e aqui cabe a pergunta: será que o recém contratado num processo amplo sabe qual rumo será melhor tomar e onde fica o lugar que será o melhor para a área ou organização se situar?
- Tenha-se experiência para então saber o que pode dar errado e assim não cair em armadilhas que já podem ter aprisionado a organização no passado.
- Possua-se capacidade de ouvir. Ter ouvidos e coração abertos para escutar e acolher o que os que já estão na casa têm a dizer sobre os problemas e as soluções buscadas.
- Tenha-se muito respeito a todos, mas principalmente aos mais simples. É um belo sinal de inteligência emocional e de valores quando se vê que os que chegam sabem respeitar e valorizar o trabalho de todos e dentre eles, daqueles que realizam as tarefas mais simples do dia a dia.
- Tenha-se capacidade de discernimento. Ter competência para distinguir caminhos em meio à neblina, sabendo escolher entre o que é bom e aquilo que seja o melhor para a empresa.
Fazer isto tudo sem tolher os que chegam com mil “não pode e não deve” é uma função de todos na casa. Ajudar os mais novos a caminharem até que tenham estas características é propiciar uma rica entrada de pessoas na organização e, com isto sendo feito, os resultados acontecerão, as equipes estarão motivadas e comprometidas com o futuro.
6 - Clareza nos papéis
Quando da entrada intensiva de gente nova os papéis precisam estar bem claros para todos. Tanto para os que chegam, quanto para os que já estão na casa. Ao fim de um programa de trainees, não de forma tão explícita, mas querendo com palavras mais sutis dizer isto, vi um deles perguntando algo assim ao líder do projeto: “em quem mesmo que eu vou mandar aqui na empresa?” Claro que esta pergunta denotava um erro, ou de seleção do novo profissional, ou do seu programa de integração. O novo tem que chegar sabendo que está sendo implantado, como dissemos, num organismo que já existe e que é vivo, e que, portanto, se os papéis não estiverem claros, e ele ou os antigos não se comportarem de acordo com eles, o risco de rejeição será real e nos casos mais agudos não haverá remédios que darão jeito neste processo.
Nessa questão há trabalho para os dois lados. Com certeza que não será uma boa política de acolhida os antigos deixarem apenas os “ossos”, aquelas partes do trabalho que ninguém quer fazer, para os novatos, bem como os entrantes precisam ter consciência de que qualquer processo de trabalho tem seus “filés” bem como também seus “ossos duros de roer”. Não é porque se está chegando que serão somente os pontos mais agradáveis, menos rotineiros e mais desafiadores que farão parte do seu dia a dia.
7 - Valorizar e tratar com respeito a experiência da casa
A organização é um ser que aprende. O Saber Organizacional é fruto tanto dos sucessos como também dos seus fracassos e dificuldades. Quem mantém esta memória viva da aprendizagem organizacional são os mais antigos e isto precisa ser muito respeitado. Acontece muitas vezes que, mesmo sendo registrada por escrito, esta memória não funciona na prática. Uma grande parte do que acontece na organização não vem de maneira explícita, mas se dá de forma tácita, e será somente a observação, o “passar a manha”, o “pulo do gato” do treinador para o empregado novo, que manterá vivo o conhecimento interno organizacional. Programas de entrada de grupos maiores não pode ser fator de perda de memória ou de valorização somente da novidade. Costuma-se comparar a organização com um automóvel e nele os mais novos funcionariam como o acelerador e os mais antigos como o freio. É preciso quebrar isto, não somente no inconsciente da empresa, bem como principalmente na sua prática. Esta imagem não é boa porque cria estereótipos e no dia a dia as coisas não são exatamente assim. Há muito jovem dentro de qualquer empresa com espírito de velho, bem como muitos antigos trabalham por aí com cabeças de jovens, sendo abertos, criativos e ousados.
8 – Valorizar as diferenças
Os que são muito parecidos conosco nada ou muito pouco irão nos acrescentar. A riqueza do crescimento se encontra na valorização das diferenças. Processos de entrada de grandes contingentes de pessoas na organização são momentos para exercitarmos isto. Na formação de equipes e, mais do que isto, no seu acompanhamento, porque pode se dar de equipes terem componentes de mais de uma geração, mas mesmo assim não estar acontecendo nelas a integração. Há que haver aí o acompanhamento gerencial para que os novos possam ter voz e vez nos times de trabalho. Quando falo em valorizar as diferenças estou dizendo também em valorizar aqueles que têm mais talento do que eu. Não ter medo deles, mas fazer com que cresçam de forma ordenada e acompanhada. Bom gerente é aquele que forma boas equipes e que sempre tem gente formada e competente para colocar à disposição da organização. Gerente que nunca tem ninguém pronto, ou não haja na empresa gente boa que tenha sido formada por ele, precisa ser melhor acompanhado pelo seu superior.
9 - Manter a tensão de forma saudável
Imaginemos um elástico desses de prender dinheiro. Ele só estará exercendo a sua função se estiver tensionado. Caso esteja frouxo não servirá para aquilo que foi feito. Ao mesmo tempo, ao esticarmos demais o elástico ele se romperá e, da mesma forma que estava quando frouxo, também não mais nos servirá. Quando da entrada de contingentes maiores esta tensão nas áreas tende a aumentar. É função gerencial mantê-la de maneira saudável. Esticar o elástico para que a equipe toda, novos e antigos, sinta-se desafiada, crie, trabalhe e busque saídas, é necessário. No caso de não haver esta tensão a organização se tornará como um “clube social’, onde o resultado será o que menos se espera dela, sendo assim vista por quem está acabando de chegar. Por outro lado, havendo um esticamento muito grande do elástico ele se romperá e os resultados, da mesma forma, não serão alcançados. A tensão natural existente entre as gerações deverá ser gerenciada pela organização para que não se perca efetividade e para que as metas sejam cumpridas.