Fernando Cyrino
O mundo vive em constante transformação e simples adaptações não mais atendem às necessidades organizacionais. Elas são meros paliativos. A mudança deve ser efetiva.
As mudanças organizacionais acontecidas ao longo do tempo, frutos das exigências do mercado, obrigaram as áreas de Recursos Humanos das organizações a se adaptar. As empresas iam se transformando e a gestão dos seus serviços de RH corria atrás para se adaptar ao novo modelo de gerenciamento. Mal ou bem, em vista da concorrência não se dar de forma tão acirrada (e até não haver concorrência), dos ganhos financeiros serem muitas vezes tão ou mais interessantes que os da produção e a demanda reprimida pelos produtos oferecidos, fazia com que as coisas se ajeitassem e permaneciam todos, se não satisfeitos com a atuação da área, pelo menos resignados de que “devia ser mesmo assim que as coisas funcionavam por aí”.
Não é assim que as coisas funcionam. O mundo vive uma mega mudança e simples adaptações não mais atendem às necessidades organizacionais. Elas são meros paliativos, remendos novos em panos velhos que breve mostrarão suas inoperâncias. Não bastam meras mudanças. Ou acontece uma transformação efetiva do RH para atender com excelência às áreas produtivas, ou as empresas viverão momentos de grande dificuldade no futuro próximo.
Não dá para fugir, estes são tempos de transformações rápidas e que nos soam impensáveis: incorporações de empresas, fusões, desaparecimento de corporações gigantes que até pouco tempo eram consideradas intocáveis, privatizações, competição global, o estado que se profissionaliza, tornando-se menor e mais cobrador de resultados. Tempos esses em que uma crise nascida de problemas com o pagamento das hipotecas de imóveis em um determinado país se alastra em questão de horas, tomando de roldão o mundo todo. Uma nova era, na qual ou se é ágil e competente ou se pode ficar para trás, perdendo o bonde da história.
Para mudanças tão grandes, rápidas e profundas não serão simples mexidas nas peças, uns retoques, ou uma maquiagem dos serviços prestados, a solução dos problemas. As áreas-meio precisam estar preparadas e com prontidão, ou seja, capacidade de rápida atuação, para responderem aos desafios dessa nova organização do mundo. Se na ponta, junto aos clientes as empresas e organizações mudam profundamente, internamente as suas áreas de serviço, e o RH incluído aí, também devem se transformar. Caso não façam isto, elas irão a cada dia perder poder e influência, dando margem e espaço para que se dê no topo a discussão do como terceirizar o RH e outras áreas, tais como Serviços, Comunicação e Informática.
A proposta que fazemos é que o RH se prepare para sair da sua zona de conforto. Sair das suas salas onde recebe os clientes da área-fim e se instalar junto deles, mudando o foco e a postura da sua atividade, trabalhando como consultora interna da organização. Agindo assim ela estará atenta às expectativas e necessidades organizacionais, saberá, antes que os gerentes da ponta tenham consciência disso, das necessidades futuras e terão como se planejar para atendê-las. Agindo assim o RH se tornará realmente necessário, desejado, motivo de orgulho da empresa e gerador de valor efetivo para a organização. É para atender a essa nova demanda que propomos uma atuação do RH e das áreas de apoio em três níveis muito claros e distintos.
O primeiro nível, em verde, é a manutenção, em níveis excelentes, do que a área já pratica, sendo reconhecida pela qualidade das suas ações cotidianas, tais como rodar folha de pagamentos, fazer e manter registros de pessoal, desligar, contratar, adquirir e realizar treinamentos, saúde ocupacional, segurança do trabalho, gerar relatórios...
O segundo nível, em lilás, representa a mudança, o primeiro grande salto dos Recursos Humanos. Significa que ele irá atuar como consultor interno da organização. Exercer este papel é inverter a corrente elétrica que descarrega em RH todo o cuidado e atenção com as pessoas na instituição. Não que os Recursos Humanos não tenham que cuidar e estar atentos à força de trabalho. Esta é a sua função clássica e ela irá continuar para o futuro. A diferença é que RH irá agora ajudar os gerentes a também fazer a sua parte na gestão das pessoas. Ou seja, junto com o RH, quem terá que cuidar dos empregados serão os seus gerentes e líderes.
O que Recursos Humanos têm a fazer para se tornar Consultoria Interna então é educar o seu corpo gerencial e lideranças para que assumam, junto com ele, a sua parte na gestão do capital humano. Mais que a turma de RH, serão os gerentes e líderes, que estão próximos aos empregados, os responsáveis por esta atuação, até porque são eles que têm poder de mando sobre seus subordinados. São os primeiros a atuar, tendo para isto a consultoria da área de RH, como verdadeiros gestores de pessoas. Afinal, além dos recursos financeiros, materiais e tecnológicos da organização, são os homens e as mulheres que fazem a diferença e que geram os resultados.
A velha e clássica cena que mostra o gerente tendo um problema com o seu subordinado e de imediato proferir a famosa frase “passe no RH para eles resolverem isto” tende, senão a acabar, a diminuir muito. Antes de enviar o empregado para ser “cuidado”, será o gestor dele quem dará o primeiro “tratamento”. Se tiver dúvida sobre o remédio a ser aplicado, chamará então o seu “consultor” de RH para ajudá-lo a enfrentar a situação.
Os Recursos Humanos, com todo seu poder de influência, precisam passar para a organização este novo papel sem medo de que com isto estarão perdendo seu espaço. Ao contrário, agindo assim, o RH se tornará mais forte porque terá muito mais tempo e condições para se dedicar ao que realmente interessa à organização, além de estar dando ao gerente o que lhe é de direito: a função nobre de administrar melhor e mais eficazmente as pessoas sob seu comando.
Passar este papel pressupõe alta capacidade de negociação por parte dos Recursos Humanos. Saber negociar numa relação ganha/ganha, o que significa que nela não haverá perdedores, mas que todos sairão satisfeitos com os resultados alcançados pelas partes. Negociar desta forma é ter sempre táticas autênticas, o mesmo que dizer que não se deve manipular para conseguir atingir os fins a que nos propomos. Fazendo isto, além de estarmos quebrando a nossa integridade, correremos o risco de perdermos a confiança do nosso interlocutor quando este sentir que não fomos autênticos como deveríamos ter sido.
No exercício desse novo papel proposto aqui, os Recursos Humanos precisarão ter atenção para não ficarem como consultores exclusivamente do corpo gerencial e de liderança da organização. Além desses que são os principais, ele também estará pronto a dar consultoria a todos os demais empregados. É preciso que o RH seja reconhecido também como o defensor, a voz e a vez dos empregados dentro da organização. Caso não assuma a sua parte neste papel, com certeza que outros, brevemente o irão assumir.
O terceiro nível da atuação dos Recursos Humanos, em azul, é mais complexo e poderá acontecer gradualmente, na medida em que ele possa atuar de maneira mais efetiva, tendo passado a quem de direito (nível 2) a gestão direta das pessoas.
Ao entrar no terceiro nível o RH agregará mais quatro novos papéis e será visto e reconhecido na organização por eles:
* Especialista Administrativo - Administração da infraestrutura de pessoal da empresa ou organização. Basicamente é o que RH já faz com duas diferenças (o que faz com que este papel esteja também em parte no primeiro nível). A área é reconhecida como excelente nesse papel e também os revisa constantemente, eliminando trabalho inútil e procurando agregar a cada dia mais valor ao que já é e tem que ser realizado.
* Defensor dos Funcionários - Administração da Contribuição dos Funcionários. Todos nós podemos dar sempre pelo menos um pouco mais do que já oferecemos hoje à organização. É função do RH aumentar o envolvimento e a capacidade dos funcionários. RH é aquele que prepara os gerentes para ajudá-lo na gestão das pessoas, ouve e responde aos funcionários (afinal ela é consultora deles todos e não somente dos líderes e gerentes).
* Agente da Mudança – A mudança é uma constante nas organizações. Virá cada dia mais rápido, e RH, ao contrário dos tempos passados, quando vinha sempre a reboque do novo que chegava, irá assumir a bandeira da mudança e da transformação. RH é que virá na frente. RH é quem deverá gerir a transformação e a mudança, assegurando à organização a capacidade para que se desinstale e mude.
* Parceiro Estratégico – Livre das amarras de ter que dar conta sozinho do que não poderia nunca suprir, RH agora pode conquistar o espaço maior junto à alta administração, para influenciar nas decisões estratégicas e nos seus desdobramentos. Os Recursos Humanos ajustarão as suas dinâmicas e processos à estratégia empresarial, nunca deixando de fazer um diagnóstico para avaliar as forças e fraquezas da organização, atingindo as metas maiores. Que competências temos para dar este salto? Quais as que deveremos buscar? Essas podem ser desenvolvidas dentro da casa? Ou será necessário buscá-las fora? São todas perguntas que o RH terá que se fazer e, mais do que isto, fazê-las à organização como um todo.
Níveis de atuação do RH
Nível 1 - RH Operacional
· Ser executor das políticas e diretrizes de pessoal
· Executar as ações de RH básicas para o andamento da organização
· Dar informações consistentes de pessoal
Nível 2 - RH Consultor
· Formar gerentes e líderes para serem também responsáveis pelo seu pessoal
· Acompanhar gerentes e líderes na execução do papel que sempre foi seu
· Apoiar e acompanhar a força de trabalho
Nível 3 - RH Estratégico
· Especialista Administrativo
· Defensor dos Funcionários
· Agente de Mudanças
· Parceiro Estratégico
Este, sem dúvida, é um processo educacional e precisa ser iniciado logo. Mas para que tenha começo meio e fim carregado de sucesso, o RH precisa primeiramente se preparar. Preparar-se significa buscar sentido no que fazemos, valorizarmo-nos como seres humanos íntegros e manter atualizadas nossas competências.
Para buscarmos e alcançarmos estes novos papéis temos que ter plena consciência de que não se pode perder mais tempo. As organizações estão mudando rápido e se não mudarmos com elas seremos mudados. O fato de que esta mudança não se dá necessariamente na mesma velocidade, faz com que empresas que estão mais distantes da ponta onde está o cliente, tenham a sensação de que só se muda do outro lado do barco. As que estão na ponta do processo produtivo, aquelas mais próximas do consumidor, tendem, pela posição que ocupam, a mudanças mais rápidas. As que estão do outro lado (como as organizações do estado) têm a tendência a uma mudança mais gradual. Mas isto não quer dizer que elas não estejam mudando. A mudança é definitiva. Ampla, geral e irrestrita.
Ela ocorre na seguinte direção:
Direção da mudança organizacional que impactam os Recursos Humanos
· Operacional para o estratégico
· Quantitativo para o qualitativo
· Policiamento para a parceria
· Curto prazo para o longo prazo
· Administrativo para o consultivo
· Voltado à função para o voltado ao negócio
· Foco interno para o foco externo
· Reativo para o preventivo
· Foco na atividade para foco nas soluções
· Controle para liderança
· Lealdade (obediência) para compromisso
· Emprego para empregabilidade
· Cargo para espaço organizacional
· Salário para remuneração
· Instituição para negócio
· Decisão central para decisão compartilhada
· Cumprir ordens para atingir objetivos
· Tarefa e atividade para resultados com valor agregado
· Continuísmo para tensão criativa
· Estratégia para propósito
· Estrutura para processos
· Sistemas para pessoas
O desafio de todos nós é mantermos em sua plenitude a organização e para isto é necessário que todos, imbuídos da inexorabilidade da mudança e comprometidos com ela, tenhamos coragem para realizá-la. A hora é de arregaçar as mangas e seguir em frente. Se não formos adiante outros tomarão a dianteira e farão por nós o que deveríamos ter realizado.