O Tipo Dois é o grande ajudante do Eneagrama. Sempre disposto a auxiliar. O pecado de raiz que o aprisiona é o orgulho. Breves considerações sobre o seu comportamento na vida diária.
Trata-se o Tipo Dois daquela pessoa sempre pronta a dar as mãos para ajudar. Que bom que eles existem, pois são fundamentais no mundo. Um olhar superficial sobre ele será incapaz de perceber problemas nesse auxílio. Afinal, quem não gosta de ser ajudado? O que mais de perto logo se verá é que esta ajuda não o faz livre. Ao contrário, ela faz parte da sua compulsão.
Faz algum tempo, conversando pelo telefone com um amigo convalescente de sério problema de saúde, perguntava-lhe como se sentia. A resposta foi que ainda havia incômodos e dor, mas tudo bem suportável, eis que estava sendo muito bem cuidado e isto amenizava demais a sua condição de acamado.
Aí completava, com um sorriso maroto, o nome da pessoa que o cuidava. Era alguém que conhecíamos bem e que havia passado pela experiência do Eneagrama. Obviamente que uma pessoa pertencente ao Tipo Dois. Daí que encerrava nosso bate-papo com uma singela constatação: “Você não sabe o quanto é bom ficar doente tendo alguém do Tipo Dois por perto.”
Rimos juntos, mas podíamos ter continuado o diálogo colocando um senão na afirmativa feita. A curto prazo, sim, é muito bom ser atendido por um ou uma Tipo Dois quando necessitados. Só que ela precisa estar crescida, ou seja, consciente, ou mesmo redimida da sua compulsão.
No caso de ainda estar em estágio inconsciente de si mesma, desconhecedora de sua paixão fundamental e as maneiras pelas quais ela a aprisiona, no longo prazo, sem dúvidas, que virá a cobrança da fatura. O serviço oferecido, que a princípio pareceu gratuito costuma ser cobrado.
Sim, o auxílio prestado por este Tipo, quando ainda preso à sua paixão, não é nada grátis. Ele o presta devido à compulsão que sente em ajudar os outros. Será exercício de crescimento transformar esse serviço em gratuidade. Quando alcança essa condição ele se torna verdadeiramente livre. O retorno não será mais buscado naquele que foi apoiado por ele. Acontecerá internamente, eis que estará feliz simplesmente por ter sido útil.
É que terá descoberto a alegria e o prazer de servir. Então o Dois constatará que os grossos elos da corrente que o prendia, nesse vício de se colocar à disposiçào dos que lhe são próximos, ou mesmo daqueles que, de alguma maneira, passarem por perto do sua compulsão em ajudar, estão abertos.
Tratar essa ajuda não altruista como vício, irá ajudar o Dois a perceber a sua compulsão em auxiliar. Por conta desse anseio tremendo por ajudar, a antena dele está sempre em busca de alguém necessitado. Ao encontrá-lo arrumará uma forma de se infiltrar, sutil e delicadamente (eles são ótimos nisso, pois que treinam esse comportamento desde crianças), para prestar a ajuda.
A questão é que ele possui grande dificuldade com os limites do auxílio. Por isto está sempre exagerando e indo além do que seria razoável no apoio. Até porque muitas das vezes este nem tenha sido solicitado e, caso o fora, terá de se fazer uma análise para se descobrir se não houve “arranjo” para a prestação da tal ajuda. Esse “arranjo” pode ser consciente ou estar no nível inconsciente do Tipo Dois. Na maioria das vezes será assim, eis que ele funciona bastante no “automático” e buscará agir através de alguma forma de sedução.
Sedução é uma palavra que define bem o modelo mental do Dois. Ele está, quando ainda não crescido espiritualmente, sempre seduzindo. Na sociedade a palavra sedução vem impregnada de sentidos ligados à sensualidade. Óbvio que tal sentido está inserido dentro dele, mas seduzir não pode ser reparado apenas sob essa ótica.
É muito mais e por isso precisa-se reparar a sedução do Dois de uma maneira bastante ampla. Ser sedutor é exercer a capacidade, de se fazer mais que útil, necessário, alguém fundamental para aquela pessoa, ou as pessoas que ele considera importantes. Sou bom se estiver ajudando é a expressão que fica martelando na cabeça do Tipo Dois.
Esta é a sua autoimagem e por isto anda pelo mundo como aquelas pessoas que nas lojas de departamento, ou nos imensos supermercados, vestem um colete dizendo: “Posso ajudar?” Essa roupa invisível se retrata em seu corpo, irradiando-se em volta e fazendo com que atraia necessitados à sua roda.
Aí viverá um novo drama. É que sentindo enorme dificuldade em dizer não, acabará assumindo mais tarefas e atividades do que é capaz de cumprir. Terminará exausto e então não será raro que coloque a culpa pelo seu cansaço naquele que é auxiliado. Quando está mal o Dois poderá até considerar que os meios, mesmo que nem tão éticos, são necessários para que atinja o fim a que se propõe.
O Tipo Dois faz parte do Centro Emocional, mas é bem diferente do seu colega de Centro, o Tipo Quatro. Enquanto este direciona sua emoção para dentro de si mesmo, tornando-se refém dela e por isto vivendo tal qual estivesse numa gangorra emocional, o Dois canaliza a emoção para o outro. Não necessariamente irá se emocionar, mas certamente trabalhará para que a emoção nele contida toque aos demais à volta.
Também, ao contrário do Tipo Quatro que possui grande clareza dos sentimentos e os explora e demonstra até de forma exagerada, o Tipo Dois demonstra dificuldades com eles. É especialista em diagnosticar sentimentos nos outros mas, como o Tipo Três, seu outro amigo de Centro, sente problemas em sacar o próprio sentir.
Por isto não é nada surpreendente que confunda aquilo que pensa com o que sinta. O amigo do Dois poderá ajudá-lo fazendo-o virar o espelho, no qual sente prazer em identificar e refletir os sentimentos alheios, para si próprio, rumo aos seus sentimentos mais profundos. É claro que tal ajuda ao Dois precisará ser feita com cuidado, mas com alguma insistência.
Isto porque ele sente bastante dificuldade em ser ajudado. Está aqui o paradoxo do Dois: Sempre pronto a auxiliar todo mundo, mas incapaz de acolher ajuda para si próprio. Recusar apoio é uma das facetas atrás das quais costuma se esconder o seu pecado fundamental: o orgulho. Este se manifesta sutil dizendo-lhe que ninguém é deveras competente para ajudá-lo. “Como fulano pode me ajudar, se sou muito melhor e mais capaz do que ele?” É o que costuma ponderar consigo mesmo.
Este orgulho, por outro lado, é que faz com que se veja capaz de atender a todas as suas demandas. Tal falácia (bem semelhante ao autoengano do Três, seu vizinho) de ajudar e não querer ser ajudado, faz com que se torne muito mais difícil e também doloroso o seu caminho do crescimento pessoal e espiritual.
O Tipo Dois é possuidor de quase tantas máscaras quanto o seu vizinho Tipo Três. São elas que o ajudam a se aproximar e exercer seu apoio àqueles a quem gostaria de ajudar mais intensamente. Essas são geralmente pessoas que escolheu como especiais. Donas de algum tipo de poder. Seja profissional, social, da política, ou até seu cônjuge, ou filhos. Para todos haverá a máscara mais adequada à consecução de suas metas.
Esse moldar-se ensinou ao Tipo Dois que é mais razoável e portanto gera mais frutos, focar as pessoas individualmente. Ele aprendeu que cada uma tem suas próprias necessidades e que, para atendê-las, será preciso tirar a pessoa carente do meio da equipe, ou do bolo, para que assim possa lhe oferecer o tratamento no qual é grande especialista: o individual.
Notório especialista nos desejos, necessidades e comportamentos alheios, o Tipo Dois é bem incompetente das próprias necessidades. É incapaz de perceber suas carências e desejos, mesmo que pareçam para os de fora bem óbvios. O amigo o ajudará novamente repetindo que sua antena precisa, pelo menos uma vez por dia, voltar-se para o seu próprio coração e anseios.
Tal dificuldade de se ver e de se cuidar, costuma ser geradora de problemas. Um exemplo bem comum nele se dá em relação à saúde. Costuma ser bem descuidado dela. Paradoxalmente, atento à qualidade de vida dos outros, é relaxado com a sua. Por isto quando, ainda inconsciente, ele se dá conta de que não está bem, poderá levar grande susto, eis que a doença poderá estar em estágio já adiantado.
Os emocionais são focados na imagem. Só que o Dois, mesmo se esforçando para isto, costuma tê-la um tanto desfocada. Poderá estar se vendo bem diferente do que as pessoas à sua volta o enxergam. Decorre daí também essa sua grande dificuldade em se perceber necessitado, em se observar orgulhoso e sedutor e em não ter definidos os limites da ajuda a ser dada ao outro.
Quando consciente a ajuda do Dois se torna bonita, se faz puramente generosa. Ele se transfigura num ser de compaixão e misericórdia. Descobriu a alegria de servir e então se torna influente, não porque esteja sempre disponível, mas sim devido ao fato de que seu apoio, dado na medida certa, é fundamental para todos.
Aí ele cresce se libertando. Sua vida, emancipada enfim do vício compulsivo de ajudar, buscará não fazer a coisa certa, mas sim a coisa necessária. Tal auxílio, que não quererá retribuição, será sempre muito bem-vindo.
Nesse movimento o Tipo Dois descobre que Deus é doação, é entrega total e gratuita aos seus filhos. A imagem do Senhor que ele tinha anteriormente, de um deus que como ele, é dono de um caderno, como o dos contadores, no qual está registrado tudo que fez de bom e o que deverá ser cobrado mais adiante, se desmorona.
Deus é serviço pleno e misericordioso. Ele não o ama porque seja ou não bom, ou faça ou não aquilo que seja necessário, mas porque o Amor é sempre livre e gratuito. Ele é compassivo e misericordioso e será assim, esta face do Deus bom samaritano, cheia de compaixão e misericórdia do Pai, que o Dois será para as pessoas à volta.
Com esta imagem clara do serviço de Deus ele se aproximará dele e a sua oração se fará mais profunda e significativa. Não será orgulhosa, tal qual a do fariseu e nem fria e automática de quem não se sente necessitado de nada que possa vir do Senhor. Será então um filho íntimo e necessitado do seu Pai. Afinal, buscar a intimidade do outro é uma competência que possui naturalmente e, crescido ele não terá dificuldades em buscar a intimidade do Senhor. Sentirá a Deus enfim em seu coração como o Pai que o ajuda, para que possa auxiliar os outros e tornar melhor o mundo.
Liberto o Tipo Dois, sem almejar os postos de liderança, se sente gabaritado para assumi-los, desde que seja para prestar o melhor serviço. Ao invés então de se imiscuir para ajudar, será buscado para o auxílio e o fará isto de maneira despreendida. Sabendo até onde poderá ir e mais ainda, como Deus, respeitando o direito do outro de discernir e dirigir a própria vida.
Todos os Tipos, de uma ou outra maneira, estão ligados ao orgulho do Dois. Cabe mirar-se interiormente para verificar as maneiras pelas quais esse orgulho esteja se manifestando, ou se esconda, vida afora. Nessa hora é bom se olhar desde a infância. É possível que desde lá encontremos, mais evidentes, os motivos para a forma de se agir assumida e praticada na vida diária e que nos dificulta no caminhar rumo ao conhecimento de si, do outro e de Deus. A sombra do orgulho de alguma forma, tem me convidado para que faça abrigo sob ele.
Busque ler e reler o texto para realmente se apropriar do sentido mais profundo do que nele está contido. Para ajudar na sua reflexão há algumas perguntas postas em seguida. Use-as tanto quanto possam ajudá-lo na caminhada e deixe-as de lado caso sinta não serem pertinentes para o conhecimento de si e seu crescimento pessoal e espiritual.
- Tenho orgulho de quê?
- Como se manifesta esse meu orgulho?
- De que maneira se dá a minha ajuda aos outros?
- Como lido com a minha imagem?
- A maneira como me vejo é semelhante àquela sob a qual sou visto?
Anoto minhas observações no caderno do Eneagrama.
Faço o NER.
Por último uma dica. Para uma melhor compreensão do Tipo Dois poderá ajudar a leitura do meu conto intitulado Gratidão. Ele está em meu site pessoal neste endereço:
http://www.fernandocyrino.com/visualizar.php?idt=2382081
Resumo:
Pecado de raiz: Orgulho
Armadilha: Bajulação
Mecanismo de defesa: Auto repressão
Autoimagem: Eu ajudo
Convite: Liberdade
Fruto do Espírito: Humildade